O São Paulo da Garoa conferiu a mostra “O céu ainda é azul, você sabe…”, que fica exposta no Instituto Tomie Ohtake até 28 de maio e traz um panorama completo das obras da artista japonesa
No último sábado (01/04), o Instituto Tomie Ohtake abriu as portas da esperada exposição “O céu ainda é azul, você sabe…”, da artista plástica, cantora e compositora Yoko Ono, uma das mais importantes ativistas políticas do século XX ao lado de John Lennon, que juntos fizeram diversas intervenções artísticas, principalmente contra a Guerra do Vietnã nos anos 70.
Patrocinada pelo Banco Bradesco e Instituto CCR, a exposição conta com a curadoria do crítico islandês e diretor do Astrup Fearnley Museum of Modern Art, em Oslo, Gunnar B. Kvaran, e traz uma retrospectiva num divertido passeio por toda a extensa carreira da artista, que começou ainda nos anos 50.
Concebida especialmente para o instituto, essa é a primeira vez que o conjunto de obras vem ao Brasil. Formada por 65 peças de “Instruções”, que convidam o espectador a interagir e também refletir sobre o significado de cada uma das obras, que carregam um contexto altamente politizado e questionador sobre temas como a paz, disputa de terras, feminismo e comunicação entre as pessoas.

Logo de cara pode parecer uma tarefa difícil entender a mensagem que Yoko quis passar com cada obra, mas conforme você se familiariza com o mundo da artista, tudo fica extremamente prazeroso e divertido.
Mesmo assim, essa é, sem dúvida, uma exposição que te faz refletir sobre todas as questões ali colocadas, que é justamente o intuito da artista. O mais legal é que não existe um modo certo ou errado de interagir com as obras, pois convida o visitante a deixar a sua marca pessoal em cada um
Todas as obras foram feitas no Brasil com supervisão de Yoko, que manteve à distância contato com Kvaran durante meses para que as obras tivessem uma relação mais próxima com o país, assim como é feito em todos os outros por onde passa.
Carolina de Angelis, membro do Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake, conta que tudo foi negociado com a artista:
“Eles se encontraram algumas vezes durante a produção e ela foi sabendo de todas as decisões tomadas e materiais produzidos. Existe um conjunto de instruções que estão no livro “Grapefruit”, lançado em 1964, e pela primeira vez parte delas foram traduzidas para o português”.
Algumas instalações artísticas
Criada em 1981, a Árvore dos Pedidos (Wish Tree), por exemplo, é uma jabuticabeira, árvore tipicamente brasileira, onde os visitantes podem escrever o seu desejo em um pedaço de papel e pendurar nos galhos da árvore.
Yoko diz que, para honrar a privacidade de cada desejo, não lê nenhum deles e guarda todos para serem enterrados na base da Imagine Peace Tower, memorial em homenagem a John Lennon, que fica na Islândia.
Embaixo da torre de luz já são mais de 1 milhão de desejos enterrados que Yoko coletou ao longo dos anos em diversos países, de diferentes tipos de árvores.


Outro conjunto de obras que também tem um toque brasileiro é chamado de “Eventos Água” (*veja o vídeo no fim dessa matéria), onde foram convidados 10 artistas brasileiros para expor seus trabalhos relacionados ao tema da água, chamando a atenção para a escassez da mesma no planeta. Entre eles está “RIO OIR” (1976-2011), do artista plástico carioca Cildo Meireles, uma escultura sonora feita em um disco de vinil, que de um lado contém sons de águas de rios brasileiros (referindo-se à palavra oir) e de outro, sons de risadas humanas (do verbo rir/rio).


Sempre atenta a colocar suas obras em um contexto atual, uma delas traz a dualidade entre a esperança e a violência.
“Capacetes – Pedaços de Céu” (HELMETS – Pieces of Sky, 2001-2008) originalmente traziam vários capacetes de soldados da Segunda Guerra Mundial e dentro deles pedaços de quebra-cabeça com fotos do céu, onde o visitante pode levar um desses pedaços para casa.
Para a ocupação em São Paulo, os capacetes escolhidos para abrigar as peças foram inteligentemente os da Tropa de Choque da Polícia Militar.
Segundo a artista, a esperança é que algum dia todos possam juntar essas peças e formar um imenso céu, longe das guerras e conflitos.
Com isso ela traz novamente a ideia de fazer junto e dá a sugestão “pegue um pedaço de céu, saiba que todos somos parte um do outro”.
Fisgando John Lennon

Duas obras presentes na mostra remetem ao primeiro encontro de um dos casais mais famosos do mundo.
A versão oficial da história, contada pelos dois em algumas entrevistas, afirma que em 09 de Novembro de 1966, o então Beatle John Lennon visitou a Indica Gallery, em Londres, onde Yoko estava preparando sua exposição para o dia seguinte e os dois foram apresentados pelo dono da galeria, John Dunbar, na época marido da cantora Marianne Faithfull.
No começo, Lennon ficou um pouco desapontado com a exposição, mas uma das obras lhe chamou a atenção. Era a “Pintura do SIM” (YES Painting – 1966), uma escada branca com uma lupa pendurada.
Quando subiu a escada, pegou a lupa e viu a palavra “SIM” escrita no teto, ele se sentiu aliviado. Em uma entrevista para a Rolling Stone em 1971 o músico disse: “Aquilo era positivo. Foi um grande alívio quando subi a escada, olhei através da lupa e não dizia “não”, “vai se foder” ou algo do tipo. Dizia “sim””.
(Guilherme Olhier: “Fazendo o que John fez em Londres em 1966! Depois disso foi só amor
❤“)
Com isso a curiosidade de Lennon aumentou e ele também acabou se interessando por outra obra presente no Tomie Ohtake: a “Pintura para Martelar um Prego (Painting to Hammer a Nail, 1961), uma das obras mais conhecidas da artista, que também dá instruções ao visitante e pede para que ele primeiro pregue um prego em uma superfície de madeira com um martelo pendurado por uma corrente e posteriormente prenda um fio de cabelo neste prego.
A “pintura” é considerada finalizada quando essa superfície estiver coberta de pregos e fios. Na ocasião, Lennon quis fazer o que a obra indicava, mas Yoko relutou, dizendo que ele poderia estragar a obra antes da abertura oficial e concordou posteriormente, desde que ele pagasse cinco xelins por prego. Lennon então respondeu com o bom humor de sempre: “Eu lhe dou cinco xelins imaginários e bato um prego imaginário nele”.

Feminismo em pauta
Yoko é uma das artistas mais engajadas com o movimento feminista e é claro que não poderia faltar uma alta dose do tema na exposição.
Em uma das obras mais impactantes da mostra, “Emergir” (2013-2017), Yoko convoca mulheres brasileiras vítimas de violência de gênero a enviarem seus depoimentos sobre abusos sofridos junto com uma foto dos olhos (WhatsApp 11-989006773 ou estamosemergindo@gmail.com) construindo um grande mural de histórias, todas carregadas de muita dor e sentimento.

Há ainda uma série de filmes que contam com a participação de Lennon na concepção. O músico foi codiretor em “Estupro” (77 min, 1969) e assina a trilha sonora em “Liberdade” (1970), de apenas um minuto.
Outro filme nessa parte da exposição é “Peça Corte” (Cut Piece 16 min, 1965) da famosa performance de Yoko no Carnegie Hall, em Nova York, em 1964, onde a artista quebra mais uma vez a barreira entre a obra e o espectador. Yoko ajoelha-se no chão e os convoca para pegar uma tesoura, cortar sua roupa como quiser e levar o pedaço para casa (*veja o vídeo no fim dessa matéria).
“O Céu ainda é Azul, você sabe…” é uma excelente oportunidade para ser apresentado para uma “das famosas mais desconhecidas do mundo”, como afirmou John Lennon certa vez.
(*) Preview sobre a exposição via Tour Bradesco:
Serviço:
YOKO ONO – O CÉU AINDA É AZUL, VOCÊ SABE…
Abertura: 02 de Abril, Até 28 de Maio. De terça a domingo, das 11h às 20h
Patrocínio: Bradesco e CCR
Ingressos: R$ 12,00 e R$ 6,00 (meia entrada); às terças-feiras, entrada gratuita (mediante retirada de senhas na bilheteria)
Endereço: Av Faria Lima, 201 – Instituto Tomie Ohtake / Complexo Aché Cultural (Entrada pela Rua Coropés, 88) Pinheiros – SP
Metrô mais próximo: Estação Faria Lima/Linha 4 Amarela
Telefone: (11) 2245-1900


Redação SP da garoa

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